Diogo Souza

Escritor e jornalista

O dia que disseram que eu era infeliz por não beber | Reflexão

Foto: Michaelle Santiago

Era véspera de Carnaval e eu estava num restaurante no meio de uma confraternização, quando uma moça recém-chegada ao grupo ficou horrorizada ao saber que eu não bebo. Assim que confirmou comigo, ela me olhou espantada e disse que eu era uma pessoa triste,  que não sabia me divertir e não tinha histórias para contar. No momento, pensei em dizer mil coisas (algumas indelicadas, confesso), mas me restringi a dizer que escrevo a história a minha própria maneira e o assunto morreu quando, do nada, para minha alegria ou tristeza, ela começou a cantar um desses refrões sertanejos. 

As horas passaram e, já em casa, fiquei pensando sobre aquilo. Certamente, não foi uma conversa muito longa, tampouco produtiva, mas foi o bastante para que eu fosse taxado de infeliz. E isso me preocupou, não o fato de alguém pensar que sou infeliz, mas, sim, perceber que o álcool é considerado um combustível ou, até mesmo, uma fonte para a felicidade. 

Não condeno o consumo de bebidas alcoólicas, mas acredito que é uma ideia perigosa a de que a felicidade depende de álcool ou de qualquer outra substância química. Fico incomodado quando vejo alguém pregando esse tipo de coisa sem, ao menos, calcular o impacto dessa ideia e passei um bom tempo refletindo sobre o assunto.

Estar sóbrio é sinônimo de infelicidade? Aliás, estar sóbrio e de bem consigo mesmo, é estar infeliz? Ou se sentir feliz e confortável somente com alguma quantidade de álcool correndo no sangue é a verdadeira felicidade? Dar "PT" é a única forma de ter história para contar? 

Sim, é verdade que o álcool libera substâncias que promovem o bem-estar, desperta boas sensações, mas é momentâneo. Eu já tive meus momentos alcoolizados e, definitivamente, não é tipo de história da qual eu tenha orgulho de lembrar, muito menos contar. Em outras épocas, já me fiz acreditar que escrevia mais e melhor sob efeito de vinho. E, por levar esse pensamento a sério, sem a bebida, não conseguia escrever e me sentia incapaz. Parei porque aquilo não fazia sentido para mim. Uma decisão pessoal, devidamente pensada.

Se é preciso álcool para "se libertar", só está mudando sua prisão. É como namorar alguém somente para não estar sozinho. Sabe aquela velha história de que se você não é uma boa companhia para si mesmo, ninguém mais será? Então, basicamente é isso: se você não se aguenta sóbrio, não é todo mundo que vai te aguentar ébrio. Além do mais, e depois que o efeito da bebida passa, o que resta? 


Quote Reflexão - Cara do Espelho

Não julgo se aquela moça é, ou não, feliz (embora, parecesse extremamente animada), não cabe a mim. Como também não cabe a ela, ou a quem quer que seja, julgar o que eu faço e o que deixo de fazer com meu corpo e minhas ações.

Usar o álcool como remédio ou refúgio para o que quer que seja é um caminho perigoso que prefiro não trilhar. Acho que vale a pena refletir sobre a origem dessas “necessidades”, afinal os excessos sempre escondem alguma ausência mais profunda. É importante pensar e entender nossas escolhas e atitudes para não deixar a vida passar batido.


P.S.: A dependência de álcool (alcoolismo) é considerada uma doença crônica e multifatorial pela Organização Mundial da Saúde (OMS); isso significa que diversos fatores contribuem para o seu desenvolvimento, incluindo a quantidade e frequência de uso do álcool, a condição de saúde do indivíduo e fatores genéticos, psicossociais e ambientais. Saiba mais: http://www.cisa.org.br/artigo/4010/-que-alcoolismo.php
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