Diogo Souza

Escritor e jornalista

Seis anos inteiros | Conto | Cara do Espelho

Ao som de You & I, de Lady Gaga.


A camisa abotoada como sempre até o último botão, o sorriso contido, olhar tenso e observador. Passos apressados vindo do carro para o bar. Eu sigo aqui sentado com meu jeans desbotado, minha camisa aberta e óculos escuros para disfarçar minha antiga mania de observar você. Era o mesmo velho bar na beira da estrada, aquele cheiro de álcool ainda estava lá, a mesma mesa afastada e os assentos estofados de couro velho e surrado. 

O mesmo rock ‘n’ roll dos anos 60 tocava em alto-falantes sem potência nem definição. O solo da guitarra envenenada se contorcia sob a voz do cantor que cantava algum amor mal resolvido. Uma garrafa vazia rolou por uma das mesas até espatifar-se no chão anunciando, sem saber, a sua chegada. O retorno. Mais um. O quinto em seis anos.

Por favor, chegue e não faça tanta cerimônia, pois sabemos muito bem quem somos e o que nos trouxe aqui. Sente-se aí e vamos beber o de sempre, derramar doses de lembranças no copo até esvaziar a garrafa do nosso passado. Não comece a rir como antes, eu estou vacinado de muita coisa, mas acho que não contra esse seu sorrisinho. É meu ponto fraco. É a minha criptonita, se quiser saber. 

Você adora ouvir minhas histórias, mas não vá usar nada do que eu disser aqui contra mim, pois se você acha que sabe de muita coisa, te garanto que não sabe quase nada da minha capacidade de guardar sentimentos e depois vomitá-los em forma de palavras cruéis e agressivas. Quer dizer, você já sabe.

Como das outras vezes, vamos para a minha casa, vamos deitar na grama, olhar a Lua cheia e as nuvens e compará-las a algodões doce, iguais àqueles que comprávamos quando éramos pequenos e passávamos horas no parque de diversões, sem mais preocupações nem ambições. A época em que ser o que éramos não ofendia um ao outro.   

Mas agora você está o tempo todo se vangloriando de ter o que tem e de parecer o que sempre quis. E eu continuo aqui sentado na varanda da minha casa, compondo canções com meu velho violão, sem me preocupar com o que as pessoas possam pensar sobre mim. Cobiço apenas respirar o ar que couber em meus pulmões.

Meu cigarro mal fumado está no chão rindo de você. 

Por favor, corta esse papo que com o terceiro copo sua máscara cai e a frustração passa a ser seu discurso. Não tenha vergonha, aceite os fatos! Você volta à estaca zero quando o coração amolece e sua p**a fica dura. Que grande merda é você.

Sei até o que vai dizer: “eu tenho tudo, mas não tenho nada; vivo cercado de gente, mas não tenho ninguém em quem confiar; seria tão bom se você estivesse ao meu lado. Só você me entende”. 

“É, mas você não é centro do universo e não estou aqui pra ser mais um dos seus caprichos”. 

“Eu largaria tudo pra ficar aqui com você nesse fim de mundo, mas eu não posso! Vem comigo, começar uma vida nova”.

Não, não vamos recomeçar isso. Geralmente esse papo vem na quinta dose, não pule as fases, baby. Olha o roteiro, você não vai querer que eu acredite que isso possa ser sincero de novo.  Você está sempre tentando me mudar, apenas para me encaixar no seu padrão, mesmo sabendo que eu não sou adepto desse tipo de coisa. Eu tenho a mente aberta demais para encerrá-la em um único templo. 

Você está acostumado a derramar rios de verdades absolutas e seus conceitos de certo e errado. Então quando alguém lança um argumento com uma visão diferente da sua, você ataca ou foge. Você ataca e depois foge! Mas você volta. Volta pra mim... e de cabeça baixa, implorando por mais um beijo. 

Mas, enquanto bebe mais uma e não se convence de que não vai me convencer, você recomeça o discurso reclamando DELES: “eles não entenderiam, eles não aceitariam, eles não respeitariam, eles não permitiriam”.

E-L-E-S

“Eles’?! Quem são essas pessoas e que diabo de importância elas tem para te impedir de ser você mesmo? Cara, sinto informar, mas isso é doentio”.

Vamos para a sexta dose, ela significa muito. Agora é a hora que você me acompanha em silêncio e vamos até minha casa, para o meu jardim ver o pôr-do-sol. Você fica melancólico e me diz que faria tudo para me ter de volta e eu digo que nunca fomos um do outro. 

Você diz que nunca deveríamos ter acabado, eu digo que talvez nunca tenhamos começado de verdade. Você sabe: é nesse ponto que nos aproximamos, baixamos as armas e transamos como na primeira vez. É nosso ritual, ele precisa acontecer. 

Que as primeiras estrelas da noite nos abençoem e nos perdoem.

Existe uma magia aqui, é aqui que as coisas acontecem. Grandes coisas. Em ciclos. Não importa quanto tempo passe, eu sei que você vai voltar, porque alguma coisa que te prende aqui: a liberdade. Mas ela te assusta.

Quanto tempo vai passar até você ir embora de novo e eu me (re)acostumar com meu próprio silêncio? Então você regressa e terminamos aqui de novo, exatamente como seis anos atrás. E seis anos não são seis dias.

Acho que nessa de querer mudar um ao outro, mudamos mais do que deveríamos. Nós fomos longe demais tentando nos aproximar e os nossos mundos nunca se encontraram de verdade, talvez porque nunca tenhamos tido coragem de explorar um novo mundo, só nosso. 

Então a cada ano nossas órbitas se aproximam e se cruzam. E acho que vai ser assim por muito tempo, até o dia em que elas finalmente se chocarem. Aí sim talvez possamos ser um só... ou milhões de pedaços.

Por Diogo Souza, em 07 de fevereiro de 2015



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