Diogo Souza

Escritor e jornalista

Voltei no período eleitoral para cumprir promessas feitas.

O texto da semana é fruto de pura falta do que fazer. Estava eu em casa quando vi minha cachorra, Lesse (que nome original, você deve ter pensado), e comecei a imaginar como seriam as coisas do ponto de vista dela. Como seria sua história e seu linguajar.

Pois bem, no dia 18 de julho eu escrevi este conto com a seguinte pergunta na cabeça:

(Ao som de Leave me alone, de Michael Jackson)


E SE MINHA CACHORRA FALASSE

 
Filhote de Lesse de 2011, ela não gosta de fotos
Oi, meu nome é Lesse, pelo menos é como todos por aqui me chamam, na realidade meu nome é Kédelain, era assim que minha mãezinha me chamava. Meus antepassados vieram para o Brasil há milhares de séculos (no calendário canino), eles eram franceses e foram tragos por uma família de aristocratas portugueses que vieram para cá para entrar no mercado açucareiro do então Brasil Colônia. Minha tatara(etc)avó se chamava Madame Sartre era casada com o Lorde Frederick, eram de uma linhagem pura e nobre.
No Brasil, o casamento deles sofreu uma grave crise pois Madame Sartre conheceu o Duque, que de nobre só tinha o nome, ele era mesmo um vira-latas, era escravo do engenho. Eles tiveram um caso que foi um grande escândalo na sociedade dos cachorros fidalgos. Quando o Lorde descobriu, mandou Jubileu, o pastor alemão da fazenda, dar uma surra no escravo. Duque lutou bravamente, mas ainda assim teve que fugir de lá.
Algum tempo depois, minha tatara(etc)avó deu à luz a cinco filhotes, todos nasceram iguais a ela, mas isso não impediu que todos comentassem que eram filhos do vira-latas Duque e que, desta maneira, ela teria colocado fim a "pureza" de raça que foi preservada por séculos. Se aqueles filhotes eram de raça pura ou não, nunca se soube ao certo, mas foi assim que minha família se estabeleceu no Brasil, pelo menos é o que reza a lenda.
É por causa desta história também, que as cadelas da cidade vivem dizendo que não tenho pedigree, que sou uma vira-latas tanto quanto o Rex, o pulguento que vive aqui no sítio. Mas, quer saber? Pouco me importa se tenho ou não pedigree, não sou como as outras poodles que são cheias de frescurinhas e que vivem falando mal da vida dos outros.
Se isso for ter pedigree prefiro ser uma vira-latas!
Minha tatara (sei lá o quê) avó estava certa em trair o tal lorde, porque os poodles machos são um bando de pé no saco. Detesto quando o primo Bolinha vem aqui no sítio, ele morre de medo de tudo, não gosta de caminhar por aí nem nada, só quer ficar lá com os humanos dele. As primas Lulu e Fadinha são piores, quando vem aqui é inferno, já chegam com aquelas roupas, cheias de lacinhos na cabeça...
Mano, aquilo é tão ridículo!
Vem pra cá e ficam me enchendo o saco, falando de passeios, petshops e fofocas, eu não tenho paciência. Eu não sou assim. Prefiro mesmo sair por ai sem correntes, correr atrás daqueles gatos insolentes, tomar banho de rio e até mesmo conversar com o lerdo do Rex, pelo menos a gente se entende. Gosto dessa simplicidade, não troco nada disso por aquelas frescuras que minhas primas vivem ostentando por aí. Garanto que se o Malandro, o gato que anda por aqui, chegasse perto daquelas duas elas morreriam de medo, porque aquele gato é danado, é esperto e mete medo, mas não tanto quanto eu, claro.
Bom, agora vou sair. Meus humanos já acordaram e vão abrir a porta para eu poder sair, hoje o dia vai ser longo. Ah, preciso me lembrar de cobrar o meu osso a Lalinha, minha vizinha, ela ficou de me arrumar um bem grande hoje, só espero que ela cumpra o prometido pois ela tem mania de “esquecer”, mas ela não me engana.

 

Diogo Souza, 18 de julho de 2014






 
E se seu animal de estimação falasse, o que você acha que ele diria? Comenta aí! J


Quando desci as escadas de sua casa e voltei pra rua senti um misto de alegria e desolação. De repente, as correntes não existiam mais e, por outro lado, era hora de seguir em frente e, talvez o mais complicado, encontrar uma nova direção. Parado, olhei para o fim da longa rua, estava claro que o horizonte estava lá, eu que nunca o levei a sério a ponto de segui-lo, estava tão cômodo em ter esta rua como ponto de encontro e refúgio que acabei esquecendo que a vida nos dá infinitas oportunidades de trilhas.

Uma leve chuva começou a cair e o vento frio tocou meu rosto sem muita delicadeza. Sei que a saudade faz estragos e que ela vai me torturar em dias melancólicos, mas quando tudo se acaba só há uma solução: começar de novo. Atrás de mim deixo a desilusão e a mágoa, que fique tudo para trás e que a dor diminua e um dia eu ainda possa pensar nisso como um lembrança especial, como tantas outras que tenho comigo.

Um homem apressado esbarrou em mim, saí do meio da calçada e continuei com o olhar direcionado ao fim da rua, mas com o foco mais perto, percebendo os chuviscos que caíam de forma dançante bem à frente da ponta do meu nariz.

Sei que você está aí atrás, olhando pela cortina e se perguntando o que ainda faço parado em frente à sua casa. Acho que estou deixando aqui o que precisa ser deixado, estou descarregando as emoções desnecessárias e tentando dizer ao meu coração que isso acabou faz tempo e que é hora de seguir em frente.

Parecia distante, mas era perto, uma senhorinha falava comigo bem baixinho:

“Está com algum problema, moço?”

Depois de algum esforço voltei a realidade e olhei a doce velhinha que segurava o guarda-chuva sobre minha cabeça me protegendo da chuva.

“O quê?” perguntei ainda atordoado.

“Você está se sentindo bem, rapaz? Está há um tempão aí parado na chuva.”

“Ah sim... Sim, estou me sentindo bem. Estou me sentindo muito bem. Obrigado.”

“Que bom, mas não fique tão pensativo assim na rua, é perigoso.”

Eu ri para ela e me ofereci para levar suas sacolas, ela negou, mas aceitou que eu levasse seu guarda-chuva, pois me disse que manter o braço erguido doía. A casa dela era do outro lado, justamente no começo da rua. No caminho ela me contou sobre como gostava daquele lugar e a saudade que tinha dos netos. Ao chegarmos em seu portão, nos despedimos e finalmente fui embora dali, estranhamente feliz e aliviado.

Diogo Souza, 18 de julho de 2014

Que loucura perceber que este blog já tem um ano de existência e, principalmente, ver como ele foi ótimo para mim. Digo isso não apenas por ser um espaço pra desaguar minha imaginação, mas também por ter me possibilitado experimentar linguagens e estilos novos, além de conhecer novos amigos através da leitura.
Tive mais de mil ideias para comemorar o primeiro ano do Cara do Espelho, mas eu não sou muito apegado a comemorações de aniversário, nem mesmo o meu, e achei que seria melhor fazer o que costumo fazer por aqui: ESCREVER.
O texto de hoje foi feito no ano passado para uma atividade proposta pela disciplina de Criatividade (não lembro o nome da matéria inteiro) na Universidade. A atividade era criar um texto com o seguinte tema: Se a gente vivesse a vida de trás para frente assim ela seria. Fiz o texto, entreguei ao professor e não sei que fim levou nem se valeu nota, mas fiquei com minha cópia e resolvi postar hoje porque me deu vontade, ora bolas.

E eu já falei demais, vamos lá!

 

Desde o fim até o começo

 

Do silêncio, da total escuridão, uma coisinha, uma chegada e uma sensação. Que o novo coração velho comece a bater, que acorde aos poucos, como o Sol da manhã, e o corpo que vai aquecendo. Que acorde de uma vez, você veio da morte.

Levante devagar para que nenhum osso se quebre, ande passo por passo até o hospital. Deite-se, entre em coma, levante-se e saia pela porta da frente e volte para a casa com sua família. Seus filhos estão cada vez mais novos, ontem mesmo o Pedrinho já nem reconhecia a letra “A”. É, o tempo passa muito rápido. Logo seus filhos voltarão de onde vieram, retornarão a você e você de onde veio.

Saia de casa, é hora de sair do trabalho, saia do escritório e volte para casa às 6 da manhã, durma e acorde às 23, sua esposa te espera. Sua rotina muda, as ressacas, as noites de sexo, as festas, as aulas na faculdade e o estágio em meio período. Amanhã é seu último dia no colégio, se despeça de todos e amanhã tem as provas finais. 

Se divirta, ria e brinque! Hora de ir tirar a soneca da tarde, sua mãe já está fazendo a mamadeira.

Chore, reclame e berre! Aquela pessoa virá te acalmar, te satisfazer a fome e te acarinhar.

Vá para seu mundo, encontre o fim, esse tal de começo.