Diogo Souza

Escritor e jornalista

O mundo dos adultos | Fragmento | Contos | Cara do Espelho

O texto a seguir é um fragmento de um conto escrito e abandonado por mim em 2014. Vai desculpando aí qualquer coisa. 😅


Foto: Haven; Home, Safe

“E o que sabe sobre mim?”, perguntei ao meu novo aluno/cliente.

“Não me disseram muito. Mas sei que você é jornalista formado há quase dois anos, trabalhou em dois jornais e em três portais de notícias e é escritor”.

“Se tivesse dito ‘é um fodido’ teria tido menos trabalho e teria passado a mesma informação”.

“Não exagera”.

“Primeira lição, Erick: escritores são exagerados, mas você pode dizer ‘intenso’, pra soar melhor”.

“Anotado! Mas você deixou o jornalismo?”.

“Não sei dizer, talvez o jornalismo tenha me deixado. Me formei e de lá pra cá não consegui um emprego fixo. Daí eu faço freelas aqui e acolá para dois portais de notícias. Era mais fácil na época da facul, sempre rolava algum estágio, nem que fosse para assessoria de uma mulher fruta ou uma ex de um jogador ou político famoso. É uma área complicada nesse aspecto”.

“Mas você desistiu?”.

“Não desisti, mas desencanei e deixei as ilusões de lado”, olhei o violão preto deitado no outro sofá, depois reencontrei seus olhos atentos e continuei: “A gente sonha mudar o mundo, fazer a diferença, mas o tempo passa e o sistema se mostra mais poderoso, tem que pagar as contas, se alimentar, viver... Você acaba perdendo o entusiasmo e a vontade de mudar. Termina vencido, fazendo exatamente a mesma coisa que um dia tanto condenou”.

“Que coisa é essa?”

“O mundo dos adultos”.

Fizemos silêncio por um momento, adicionei uma nota mental para anotar aquele trecho da conversa assim que tivesse oportunidade. Só depois a conversa seguiu menos dramática e mais informal, falamos mais sobre nós mesmos e passei alguns exercícios de escrita e estilo para ele. Ao fim da tarde, me senti aliviado pelo trabalho cumprindo e por esse cliente não ser um louco qualquer.  


(Trecho do conto Saudade do que não viveu. Por Diogo Souza, em abril de 2014)

 

Leia outro fragmento desse mesmo conto clicando aqui: Saudade do que não viveu


Gostou? Então comente com seu Facebook abaixo e compartilhe com seus amigos. 😉